quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Conto do acolhimento e Reconhecimento


Era lua cheia!
Ela havia acabado de chegar ao seu destino. Um sítio beira mar era tudo o que necessitava para que pudesse descansar colocar as idéias no lugar e respirar um pouco.
Havia tanta coisa engasgada que estava a apertar sua garganta, que nem mesmo ela poderia em palavras explicar para alguém se quisesse. Tinha pensado em fazer terapia, mas sabia que não conseguiria falar sobre ela. Mesmo querendo muito ser ouvida, ela não gostaria de dividir com uma pessoa estranha, o que nem mesmo ela sabia que sentia. Estava a se sentir como uma ostra e nesse momento apenas pensava em deitar-se e descansar da viagem, para quem sabe mais tarde observar o luar, sozinha, talvez acompanhada apenas por uma taça de vinho. E recostando no travesseiro, sequer notou que adormeceu.
No meio da noite, levantou-se, olhou pela janela e viu a lua deslumbrante a iluminar todo o local, brilhando como holofote, chamando-a para fora. Tomou um banho com perfume de flores, vestiu um lindo vestido florido, para celebrar a primavera que está para chegar, disse a ela olhando no espelho e ao encontrar seus próprios olhos, sentiu um aperto no peito, pois sabia que o vestido não enfeitava seu coração, que estava triste. E uma lágrima escorreu silenciosa por seu rosto.
Já refeita, pegou uma garrafa do vinho que trouxe dentro da bagagem e seguiu rumo à costeira, onde certamente não seria incomodada por ninguém e apenas ouviria o som das ondas a bater nas pedras.
Abriu seu vinho, despejou na taça, servindo-se fartamente. Alivia as dores, pensou ela como que se desculpando, elevou a taça e brindou a si mesma. Pediu para que a lua cheia a presenteasse com a tão esperada felicidade.
Sentada observando o movimento das ondas e com os olhos embaçados por lágrimas que insistiam em nascer, não percebeu a chegada de uma linda mulher de longos cabelos e brancos, com um cajado na mão direita, que exuberantemente exibia uma linda pérola em sua ponta.
A senhora muito carinhosamente se aproximou e perguntou:
- O que acontece linda moça, porque das lágrimas?
Somente nesse momento notou a presença da linda senhora e sem saber por que, sentiu que poderia conversar com ela e desabafou:
-“Sinto uma imensa tristeza em meu peito senhora, mas não consigo esvaziar-me dela. Todos dizem que a lua cheia emana energias que nos fortalece e nos transforma, estava aqui a pedir sua proteção a força, mas não consigo sentir. Apenas brotou uma enorme vontade de chorar, porque meu peito está cheio de mágoas e tristezas que carrego durante toda minha vida.” Somente nesse momento se deu conta da beleza extasiante daquela mulher que havia se aproximado. Tão bela, que se confundia com o brilho do luar!
A deusa, como a chamou, com o olhar mais doce que já tinha visto, sentou-se a seu lado e olhando ao longe, como se observando os movimentos do mar disse-lhe: - Menina, a lua cheia realmente tem esse poder, mas como ela pode lhe presentear com um sentimento, que ainda não existe dentro de seu coração?
A lua, continuou ela, não nos dá nada, apenas potencializa nossas emoções, ela movimenta nossas águas internas, assim como faz com o mar a sua frente, e faz emergir tudo o que temos em nossa alma. É isso que está a acontecer com você nesse momento, por isso parece que está a engasgar com todas as coisas que pulsam em você. Para que possa curar-te de tudo isso, há que vivenciar todos os seus ciclos, todas as suas fases, mas, e acima de tudo, perceber que esses ciclos e fases, estão em você assim como em toda a natureza. A lua, não esqueça, comanda todas as águas, inclusive as nossas!
- E como posso sentir isso? Como posso vivenciar esses ciclos e libertar-me da dor?
A linda mulher pegou-a pelas mãos e disse: - Venha dançar comigo os ciclos de nossas águas. Venha dançar as fases, venha dançar a vida. Permita-se viver esse presente!
-Presente, como assim presente?”
Ora, você não fez um pedido e fez um brinde? Pois então menina, agora é seu momento de receber. E então se levantou e olhando para a lua disse:
“Senhora da noite.
Senhora absoluta das águas de todos os seres,
Guia-me em mais essa missão de resgate de suas filhas.
Envia-me sua luz para que eu possa me orientar
E nela e dançar sua força,
Que eu me movimente como as marés
Que eu tenha a humildade para ensinar
Mas acima de tudo que eu seja humilde ao aprender
E vivenciar todas as suas facetas
E que cada uma delas nos traga um aprendizado,
Uma celebração e nos proporcione o
Crescimento necessário para um dia,
Brilharmos no cosmo como brilha sua luz sobre nós!”
Ao terminar, explicou que ela não se esquecesse de respirar, porque seria tal e qual na terra firma, mas apenas por aqueles momentos e então mergulharam nas águas iluminadas pela luz da lua.
- Para que possa se curar das suas dores querida menina precisa perceber onde elas nascem, precisa reconhecer a semente dessas angustias e não seu fruto. Hoje você chora os frutos dessa árvore que cresceu dentro de você, pois não aprendeu a ser como a ostra, que transforma as areias que engole e machuca, em lindas pérolas. Ficou presa a dor e não aos ensinamentos que essas lhe trouxeram durante sua jornada e fez com que o sofrimento tomasse o lugar do aprendizado, tornando sua alma triste!
Filha das águas você pode curar sua alma e dançar a vida em todas as suas etapas, mas para isso precisa estar disponível para si mesma, esquecer do externo, das pessoas e mergulhar apenas em seu coração, em suas mais profundas gavetas e porões!
Estamos sob o poder da lua cheia, portanto todas as suas emoções estão à flor da pele. Vamos tornar essa energia curadora e nos aproveitar dela para que possamos iluminar os cantos escuros de sua alma, reconhecer todas as emoções escondidas, dar amor a cada uma delas e assim, preparar o terreno para que possamos chegar à cura!
- Mas, isso vai doer muito? Perguntou a moça.
- Não sei disse a linda mulher. Tudo depende de você, da sua entrega, dos seus medos e da compreensão que tudo, todas as experiências que irá viver nesse processo, não passarão de sensações, já que os fatos ficaram no passado. Nesse momento é imprescindível que não pense nisso, que confie, que se entregue e que permita mergulhar nas suas mais profundas emoções, para que elas possam vir à tona, serem reconhecidas, curadas e assim fluir como as águas sem que fiquem presas a nada. Águas represadas, um dia explodem a barragem e se tornam destrutivas linda flor, e isso sim tornam doloridas as jornadas!
Venha, não tenha medo, permita-me guiá-la, permita-me abençoá-la com esse presente, dizendo isso, mergulhou ainda mais fundo de mãos dadas com sua protegida!
Chegando a um local iluminado pela luz da lua, onde um coral que brilhava em inúmeras cores era o ponto mais alto, disse: Sente-se aqui, feche os olhos e sinta o movimento das marés em você. Perceba a conexão entre a luz que chega e a força das águas, apenas sinta, não faça perguntas, não se prenda a um único pensamento, não se apegue a uma única emoção, deixe que tudo venha e vá como as águas que estão ao seu redor. E quando estiver pronta, dançará como nunca! Lembre-se que para poder sentir o poder curativo das águas e da força vital lunar, precisa primeiramente, libertar-se de tudo o que te prende. Fique tranqüila, pois estarei sempre a observar você, ninguém se aproximará senão os seres que possam de alguma forma, ajudar nesse mergulho.
E ali a moça foi colocada sentada. E durante os dias e noites ela foi tomada por uma força imensa, algo que a fazia vibrar e se sentir cheia. Como uma represa que vai carregando águas acima da sua capacidade de armazenamento. De olhos fechados podia sentir o poder daquelas águas que vinham do fundo, eram escuras e preenchiam cada espaço ao seu redor e dentro. Confundindo e misturando, num bailado constante, ondulatório e forte.
De olhos fechados ela foi vivenciando e relembrando cenas e passagens de sua vida, que sequer sabia que podia recordar e o peito doía como se uma enorme pedra tivesse sido colocada sobre seu peito.
Lembrou da infância dolorida. Dos gritos sua mãe. Das vezes que a socorreu de tentativas de suicídio, das surras que levava, das palavras horríveis que ouvia. Chorou e gritou ao relembrar das traições que seus pais cometiam um com o outro, das brigas e dos xingamentos. Recordou-se das vezes que sua mãe arrumava as malas para ir embora e a deixava para trás, dizendo que ela não prestava para valer ser levada junto! E então, recordou das noites que desde pequena, chorava sozinha, querendo um colo onde se sentir segura e aninhava-se em si mesma numa dolorida posição fetal!
Recordou também das inúmeras vezes que precisou cuidar do irmão mais novo, porque a mãe tinha bebido e o irmão do meio estava na casa dos vizinhos e de como havia protegido seus irmãos de doloridas recordações e o quanto hoje doía profundamente o fato de nenhum dos dois sentirem sua falta. Julgavam-na, por erros que até possa ter cometido, mas acima de tudo a julgavam pela distância que com o passar do tempo foi tomando de casa, da mãe, da família e a levou pra longe. Ela não mais suportava sentir a dor de viver com uma mãe que não a amava e, se amava, demonstrava o contrário durante a vida.
No terceiro dia, ela pedia por ajuda, gritava qual criança assustada, quando acorda no meio da noite após um pesadelo.
Não podia ver que a linda mulher dançava a sua volta, nem mesmo ouvi-la entoando canções que evocavam a Grande Mãe. Pedindo proteção e amparo, colo e cuidado. No seu desamparo interior, via-se abandonada e gritava por ajuda, mas não tinha coragem de abrir os olhos, não tinha coragem para ver o que estava ali junto dela ou não tinha coragem de olhar com clareza para dentro de si mesma e continuava a gritar por socorro, sentindo-se rachar e começar a vazar...
Quando não mais podia suportar a dor, pedindo por ajuda e dizendo que queria morrer, que era melhor a morte do que carregar tudo aquilo, que já não podia ficar com o peito assim, rasgando-a em vida. Então foi quando a linda senhora disse-lhe em um sussurro: - Estamos prontas para esvaziar, levante-se e permita que míngüe em você, como a lua está a minguar, toda a bagagem que não pode e não deve mais carregar, vamos começar a limpar sua alma, como limpa a lua as energias de todos os seres.
E ela então se levantou e chorou. Sentiu-se como bexiga que vai perdendo o ar aos poucos, sentiu que as águas estavam mais brandas, mas nem por isso menos fortes, apenas mais suaves no sentir. Ainda não tinha clareza de tudo o que estava sentindo, nem do que estava acontecendo, mas pode perceber que algo estava se transformando dentro dela e então foi convidada a atravessar uma ponte de corais.
A senhora olhando em seus olhos disse: “Ao atravessar essa ponte, precisa compreender que deixará para trás todos esses sentimentos. Precisa perdoar sua mãe e entender que assim como você, ela foi uma vítima de suas escolhas, mas, diferente de você, não havia clareza em seus pensamentos e emoções. Havia ao contrário uma mulher desequilibrada, perdida, angustiada, depressiva e sem ter com quem conversar e em dúvidas com sua fé. O perdão libertará você, mas também a ela e certamente, livrará suas descendentes dessa terrível carga de energias densificadas por emoções tão conflitantes. Perdoe e assim semeará o perdão em seu caminho também. Não esqueça, colhemos o que plantamos, sempre!
Viu-se vestida de pérolas, e como se quisesse rasgar o peito, atravessou a ponte, com toda sua coragem, desaguando a alma, e o som das águas no coral sob a ponte, lembrava um tambor batendo forte, seu peito pulsava no mesmo compasso, seu quadril movia-se intensamente. Tudo se movimentava de dentro pra fora, fazendo-a sentir uma energia que expulsava dela toda aquela angustia e ela ia assim, murchando e murchando. Esse sentimento de murchar a fez perder a força, aos poucos estava perdendo a coragem e, mais uma vez num momento de súplica, pediu para que a linda mulher a socorresse, que tirasse ela dali, porque não queria continuar, preferia ter ficado na praia chorando suas dores, do que esvaziar-se delas, pois doía menos carregá-las a ter de enfrentá-las!
A linda mulher, com um olhar doce, como só as Grandes Mães sabem ter, abraçou-a e disse carinhosamente: - filha lembra-se que te falei que tudo seria apenas uma sensação? Então, o que está a sentir nesse momento, é apenas isso, uma sensação. Toda a raiz desse sentir está em um momento passado que já não mais existe, senão em suas lembranças. O que precisa nesse momento é compreender esse sentimento, muitas vezes perdoar a você mesma por não ter aceitado e compreendido sua mãe como ela era mais cedo e perdoá-la pelos equívocos cometidos. Abraçando a moça carinhosamente fala: - permita-se chorar, desaguar, esvaziar-se. Permita-se conhecer seu vazio, sem medos afinal, o vazio não pode conter nada. E em um movimento suave, pôs-se a dançar com ela. Em aumentar da intensidade dos movimentos, buscando ajudá-la a mergulhar dentro da alma, revirando todas as más águas que ainda restavam e, levantando seu cajado entoou uma canção para a lua. E assim dançaram noites e dias, até que tudo desaguasse, até que não houvesse mais cantos escuros, pois a Senhora da noite havia penetrado em todos os cômodos desta filha da Grande Mãe.
E então o céu escureceu. Não havia mais luar iluminando o mar, não havia mais luz e a moça que continuava de olhos fechados sobre o coral, sentiu uma onda de energia a pulsar dentro de seu ventre, uma onda que mexia com suas entranhas.
A linda mulher continuava seu bailado. Permanecia a dançar com as grandes águas, continuava a reverenciar o luar, continuava seu rezo pelo feminino!
Sua dança acompanhava o movimento das marés, que por sua vez eram guiadas pela força da lua, que mesmo distante e escondida nessa fase, permanecia a comandar todas as águas!
Permita que seu ventre renove suas energias nessa fase minha menina! É momento de desaguar e renovar as águas sagradas de seu útero, abençoar os ciclos da criação, renovar seus votos com o feminino. Permita-se sangrar até que o ventre, guardião sagrado da vida e portal da transformação dos seres, esteja purificado. Você limpou sua alma, agora necessita limpar também o recipiente que armazena as águas vitais, e que todos os meses, precisam ser desaguados e renovados para que não se acumulem lembranças desnecessárias, energias que nos fazem sucumbir e perder nossa força e nosso contato com o sagrado em nós.
A água é o maior condutor de energia e é capaz de armazenar memórias, como tudo o que é vivo faz, em suas moléculas. Nosso ventre, mais que o cérebro feminino e também o coração, guarda memórias de todas as coisas que vivenciamos através das emoções que elas nos permitem sentir, que podem ser positivas ou negativas. Porém peço que esqueça seu entendimento sobre positivo ou negativo, que aqui não significam serem, boas ou ruins, mas apenas como as encaramos e como elas impactaram nosso caminhar. Lembrando que toda experiência sempre é positiva porque independente da nossa compreensão no momento que estamos passando por ela, sempre nos traz grandes ensinamentos, sempre nos coloca para crescer!
Esse é o momento da renovação. Essas águas carregadas de memórias precisam ser desaguadas. Precisam ser libertas para que possam ser renovadas e assim, purificamos nosso ventre, limpamos nossas células dessas lembranças e as resignificamos. Todos os meses recebemos essa possibilidade de presente, mas esquecemos nossos elos com o sagrado, com o feminino, com a lua, com os ritos. Hoje apenas nos lembramos da lua quando estamos enamoradas ou quando queremos pedir algo, como você, quando fui enviada para lhe atender. A Senhora da Noite, sempre acolhe suas filhas, mesmo quando elas pensam estar abandonadas!
Agora dance!
Dance a renovação. Dance e celebre o sangue de seu ventre, que é vida, que é sagrado. Dance e agradeça a benção da purificação que recebemos.
Refaça-se, realinhe-se!
Sangre!
E ela dançou suavemente seu início de ciclo. Mas novamente uma onda de dor tomou conta só que desta vez, em seu ventre. E ela então começou a sangrar.
Uma água rubra escorria por suas pernas, lembrando-a da purificação de seu útero e isso quase que instantaneamente a fez recordar suas filhas! (Como se fosse possível esquecê-las mesmo que por instantes).
Recordou de suas filhas e de como as amava e sentia-se culpada por tê-las deixado com o pai, não que ele não fosse um maravilhoso pai, mas porque ela deixou para trás tudo o que havia de melhor nela e tudo o que ela tinha de mais caro e valioso, deixara com ele, sua alegria. Então, e como sempre, ela ficou com a dor e essa se tornou sofrimento. Durante anos
Ouvindo uma cantiga alegre dançou, e foi tão magicamente entregue a esse momento, que as estrelas do mar, que habitavam o coral uniram-se e cobriram seu corpo, como um véu colorido!
Ela então se sentiu a mais feminina de todas as mulheres. Sentiu-se mágica por poder sangrar seu ventre e purificar seu corpo, assim como havia feito com sua alma. E ali dançou sua sacralidade.
A linda mulher, com os olhos úmidos de emoção por perceber que a moça estava reconhecendo em si todos os ciclos da natureza, pois ela, era a própria natureza florescendo, entoou uma nova canção, onde todos os sons podiam ser ouvidos; o mar, o vento, o fogo estalando no fundo do oceano e a terra se movimentando, abrindo uma fenda por onde pudesse sangrar e renovar. E mais um ciclo estava a se encerrar para que outro recomeçasse!
Quando não havia mais sangue a escorrer, nem dores a curar a moça que até pouco tempo atrás era só lágrimas e dor, começava a sorrir e a sentir em seu coração uma crescente emoção, um desejo latente de continuar.
Foi então que a linda mulher disse-lhe: Abra os olhos menina e veja como está a se transformar, veja como a beleza da tua alma, já sem dores, está a tornar-te luminosa!
A moça abriu os olhos e percebeu que enxergava cores que antes não conseguia, que havia nuances maravilhosas, que por estar envolvida nos véus da angustia e do medo, não podia perceber e os seres do oceano começaram um bailado encantado festejando o despertar daquele lindo ser!
Estrelas do mar, cavalos marinhos, golfinhos, ondinas, sereias e tantas outras criaturas chegavam para bailar junto com a moça que florescia, emprestando seu colorido e sua alegria para aquele momento!
Crianças do mar, filhotes de seres míticos, entoavam canções e dançavam em volta do coral, que brilhava como nunca. Cores antes nunca vistas por seus olhos humanos estavam a cintilar nas águas. Os corais ao lado se iluminaram, formando um lindo “palco” onde dançavam seres mágicos e as mais belas canções sobre o mar foram tocadas. Ouviam-se ao fundo as ondas do mar batendo nas pedras, e o som era o de tambores sendo tocados, como se o coração da Mãe Terra pulsasse mais intensamente nesse instante. Tudo era mágico, tudo era belo, tudo era transformador!
Era um crescer de emoções límpidas, assim como o crescer das águas e no céu, a lua mostrava um sorriso, demonstrando que estava feliz com despertar de mais uma filha, para seus ciclos pessoais, juntamente com os ciclos de tudo o que a cercava.
A moça, que já não mais reconhecia em si as dores de outrora, era só bailado. Seu corpo movia-se com a leveza de quem aos poucos reconhece sua força, aos poucos descobre em si todo o poder que necessita para enfrentar os fantasmas que por ventura, possam aparecer em seu caminho. A moça sentia-se aos poucos, viva!
E todos os seres das águas dançavam com ela, celebrando os ciclos e o crescente movimento das águas. E o sorriso da Senhora da noite, crescia e com ele, o amor que pulsava dentro de todos os seres, assim como todas as dores. Mas a moça não sabia mais o que era isso, não ela apenas sentia uma enorme força pulsando cada dia mais intensamente dentro dela e podia perceber que essa mesma força, animava e nutria todos os seres que ali dançavam com ela e sabia, que mesmo os que ainda não dançavam a música da vida, certamente o fariam, pois os ciclos são assim, um dia estamos cheios, outros nos sentimento perto da plenitude, um dia estamos murchando, outros estamos esvaziando. Tudo era uma questão de como olhamos a vida, de como está o prisma que dá o colorido a nossa jornada!
E nesse sentir ela brilhou. De dentro de seu coração explodiu uma luz tão intensa que todas as criaturas do oceano curvaram-se a seus pés, reverenciando sua coragem de transmutar e de permitir-se Ser luz!
Conchas abriram-se e doaram de presente, lindas pérolas que enfeitaram seu pescoço, as estrelas que cobriam seu corpo, mudaram de cor e brilhavam em furta cor. O mar se fez festa e no céu a Senhora da Noite, enviou um facho de luz prateada, abençoando a alma dessa filha que havia experimentado todas as suas fases, conscientemente. Ela que até a pouco tempo, estava a reclamar estar cheia da vida, de dores e mágoas, agora estava a dançar a plenitude de seu ser, a grandiosidade de sua alma e a sacralidade de suas águas!
A linda mulher, que presenteou e acompanhou todas as danças daquela menina, que agora era uma linda mulher também, abraçou-a e disse-lhe: Compreendeu agora filha minha como a lua sozinha não pode nos dar nada? Que ela apenas nos dá o que já temos em nós, mas de forma mais intensa?
Venha, vamos retornar à praia e lá sentadas na areia, encerraremos sua busca!
Segurando as mãos daquela que acabara de despertar, levantou seu cajado e num rezo de agradecimento, formou um redemoinho que as sugou, levando-as como um portal, de volta a beira mar. Mas não deixou de perceber que a moça estava levando consigo uma pérola.
Ao chegar à areia, sentaram-se e a linda mulher que estava deslumbrantemente linda disse: - percebe a diferença entre estar cheia e plena minha filha? Quando te encontrei aqui, na lua cheia passada, você estava a chorar por sentir-se cheia de tudo o que te cercava, pedia felicidade como se ela estivesse fora de você, como se em um passe de mágica, a lua simplesmente pudesse dar-te de presente, algo que apenas a você caberia dar a si mesma. Ela, a Senhora da Noite, apenas nos proporciona a força que necessitamos permitindo que nós mesmas nos curemos de todos os males da alma, mas também e acima de tudo, nos presenteia com a capacidade do renascimento. Todos os meses, podemos morrer e renascer, desaguar e renovar, basta que estejamos atentas, despertas e assim aprendemos a fluir nossas águas, com o mesmo movimento das grandes águas!
Ao levantar-se para despedir-se, ergueu seu cajado e agradeceu à Lua e à moça, pois ela mesma aprende a cada ciclo!
“Senhora da Noite, guardião das sagradas águas, gratidão pelos ciclos que nos regem, pela possibilidade de renascimento e pela certeza da morte.
Que possamos todos os meses, reverenciar sua força e agradecer as lições que chegam.
Que possamos deixar de nos sentir cheias, para que possamos nos sentir plenas.
Guarde nossos passos, renove nossa esperança e ilumine nossos sentimentos, hoje e sempre.
Que assim seja!”
Antes de partir, abraçou a menina que se tornara mulher e disse carinhosamente:
“Lembre-se, carregue apenas o necessário, todo o resto se desfaz entre os dedos, como areia e o tempo. Toda beleza que necessita está em você, em seu interior, todo o resto é adorno, é máscara, todo o resto é peso morto, todo o resto é tempo...!”
Virou-se em foi-se tão silenciosamente como chegou, deixando a moça sentada na areia, mas já não tinha lágrimas nos olhos, já não se sentia pesada, já não se sentia cheia. Havia um sorriso escancarado em seu rosto. Pela primeira vez sentia-se plena, como a lua que brilhava no céu!
Quando ao olhar para sua mão, que segurava a pérola que tinha pegado como lembrança, percebeu que escorria por entre seus dedos, como areia...como o tempo!